segunda-feira, 28 de abril de 2014

Cama compartilhada

Por que, em nossa sociedade, bebês dormirem com os pais é considerado um hábito anormal e inaceitável?

"Seu bebê não dorme no quarto dele? Tem alguma coisa errada com ele, mamãe, e você precisa ensiná-lo a dormir sozinho" - É o que muitos pediatras dizem por ai.


"Seu bebê dorme na sua cama? Coitados!" - É o que muitos comentam por aí.


Bebês não podem dormir com os pais? Por quê?


Por que vivemos numa sociedade "moderna"? Moderna porque hoje podemos criar bebês independentes? Moderna porque hoje os valores materiais são maiores que os valores afetivos? Moderna porque hoje, afeto físico entre pais e filhos, parentes e amigos é quase inexistente?


E aí, o pediatra responde: porque ele ficará mal acostumado e dependente.

Só que de moderno, esse conceito não tem nada. Vocês conhecem o experimento do pequeno Albert? Foi a partir desse experimento, de condicionamento emocional em bebês, que o afastamento físico entre pais e filhos começou a se espalhar.


Em 1920, em Nova York, Albert, um bebê de 8 meses, foi submetido a um experimento de condicionamento emocional por John Watson. Albert foi colocado em uma sala com um rato solto e a principio não demonstrou nenhum medo do animal. Porém, toda vez que o menino tentava tocar o rato, os experimentadores batiam um martelo uma barra de aço e o assustavam a ponto de faze-lo chorar. Após algumas repetições, Albert passou a fugir do rato, portanto foi condicionado a ter medo do animal. Esse condicionamento foi generalizado, pois Albert passou a ter medo de qualquer objeto peludo, e o dano causado foi permanente.

Com isso, John Watson passou a escrever sobre educação de crianças, mas seu foco principal foi sobre a importância de manter pais e filhos separados afetivamente para não estragá-los. Logo essa idéia tomou força pela necessidade de se criar bebês independentes por causa da inserção da mulher no mercado de trabalho e dos movimentos feministas.

A partir daí, métodos de fazer o bebê dormir foram criados. Deixar chorar, por exemplo. Funciona? Claro que funciona. Colocar o bebê acordado no berço para que pegue no sono sozinho, funciona? Também funciona. Assim como no experimento de John Watson, os bebês que são deixados no berço a noite para dormir, chorando ou não, se condicionam. Só que neste caso, bebês se condicionam a não contar com você.

Eles aprendem que não adianta chamar (chorar) pois você não virá. Eles aprendem que nas horas sombrias da noite, você não estará presente para protegê-lo e que terão que lidar com seus medos sozinhos. Eles aprendem, desde cedinho, que não tem amor e proteção sempre que precisam. Aprendem que não terão amor e proteção sempre que precisarem. Aprendem isolados na imensidão da noite. E o dano também é permanente.

"A noite é um abismo longo e escuro para os bebês terem que 
atravessar sozinhos" Laura Gutman

Se o medo é de torná-los dependentes, então estamos partindo do pressuposto que bebês nascem independentes? Antes mesmo de estudarem os danos que o afastamento físico pode trazer, a ideia de John Watson já havia sido espalhada pelo ocidente e o estrago feito. Porém, o que ficou esquecido em sua teoria é que bebês não se tornam dependentes, eles são dependentes. Dependentes tanto de cuidados físicos quanto emocional, portanto precisam ficar perto da mãe. Ficou-se esquecido que os bebês vieram do ventre materno, aconchegante e amoroso, mas tumultuado. Cheio de ruídos e movimentos. Ficou-se esquecido que bebês não estão preparados para ficarem sozinhos, em algum lugar sem vida.

Assim, hoje esquecemos das necessidades básicas de proximidade e afeto dos bebês. Esquecemos de levar em consideração seus medos e anseios. Priorizamos nossa autonomia e privacidade. Invertemos os valores e pagamos caro por isso. Fragilizamos os vínculos com nossa própria cria.


"Se você condicionar seu filho desde cedo que ele não pode contar
com seu contato físico, seja pelo colo ou pela sua presença afetuosa, 
então não estranhe se algum dia lhe faltarem abraços apertados"

Muito ao contrário do que se imagina, hoje há evidências científicas suficientes mostrando que crianças que dormem no mesmo quarto ou mesma cama que seus pais são menos medrosas, mais extrovertidas, corajosas, aventureiras, desenvoltas e independentes, e aquelas que são deixadas sozinhas são mais tímidas, ansiosas e mais medrosas. Crianças que dormem junto com os pais são mais apegadas a eles e principalmente mais apegadas às mães e portanto exploram o mundo com mais confiança. Apego não é sinônimo de dependência. Apego significa que há uma relação afetuosa mais estreita entre pais e filhos.

Além disso, cama compartilhada é sinônimo de bebê feliz. Sabemos que a noite é um momento de muito stress para um bebê, e pesquisas têm demonstrado que dormir junto reduz os níveis de hormônio cortisol (hormônio do stress) e aumenta os níveis de ocitocina (hormônio do amor) do bebê. Crianças e bebês que recebem amor dia e noite, que não precisam lidar com sensação de medo e abandono, se tornam adultos mais afetuosos, carinhosos, seguros, com maior auto-estima e que lidam melhor com desafios e frustrações da vida.

Psiquiatras da Universidade de Harvard recomendam para que bebês durmam junto com seus pais. Pesquisas feitas em Harvard tem demostrado que a separação e as experiências afetivas na infância podem ser determinantes e causar alterações na formação cerebral das crianças, como no hipocampo e amígdala (estruturas cerebrais relacionadas à memória, stress e ao comportamento emocional). Através de neuroimagens pesquisadores demonstraram que afeto materno está fortemente relacionado com o volume dessas estruturas e consequentemente com saúde emocional.

Há muitas outras vantagens que a cama compartilhada proporciona. Ela facilita a amamentação e favorece o descanso dos pais. A Universidade da Califórnia demonstrou que dormir junto melhora a qualidade do sono do bebê pois diminui o número de vezes que ele acorda durante a noite. Um estudo publicado na revista Biological Psychiatry mostrou que recém-nascidos que dormem afastados da mãe tem uma qualidade de sono pior de até 86% quando comparados com aqueles que dormem juntos com sua mãe. Além disso, cama compartilhada reduz o risco de morte súbita do recém-nascido pois há regulação do sistema límbico e diminuição dos níveis de apneia infantil quando o bebê está próximo à mãe. No Japão, onde cama compartilhada é praticamente uma norma cultural, o número de casos de morte súbita é aproximadamente um décimo do ocidente.

Por que nos preocupamos tanto em saber se um bebê já é independente e se ele já dorme sozinho? Não me incomodo, mas me intrigo muito com o fato de que até hoje, em todos os eventos sociais que vamos, as pessoas me perguntam se a Luli já dorme a noite inteira sozinha. Já dizia Montessori que as crianças são impulsionadas para a independência de forma natural. Um dia, todo bebê naturalmente, vai querer parar de mamar. Um dia, todo bebê, naturalmente, vai aprender a andar e sair do colo. Um dia, todo bebê, naturalmente vai querer parar de usar fraldas. Um dia, todo bebê, naturalmente vai querer dormir no seu próprio quarto.

Coitada de mim? Por quê?

Apesar de eu ter lido uns três livros com técnicas para fazer bebê dormir, desde que a Luli nasceu, nada de nada vinha à nossa cabeça na hora de colocá-la para dormir. Ninávamos infinitamente. Cantávamos para ela em nossos braços, a deixávamos dormindo em nosso colo, as vezes por horas, antes de colocá-la no berço pelo simples instinto de saber que era isso que ela precisava. E era isso que queríamos dar a ela. Colocá-la no berço sim nos trazia muita coisa à cabeça. Sensação de culpa por "abandoná-la" naquele cercadinho. 

Passaram-se os dois primeiros meses (época recomendada na literatura "moderna" para tirar o bebê do quarto) e eu nem sequer conseguia imaginar aquele serzinho minúsculo e indefeso, tão dependente de mim, dormindo sozinho em algum outro lugar, longe de mim.

Muito pelo contrário. Seu berço sempre esteve em nosso quarto e bem pertinho da gente, de onde ela conseguia ouvir minha respiração. Só não a colocávamos para dormir conosco por medo. Medo infundado. Medo porque trabalhos científicos cheios de viés saem na mídia. E a mídia sensacionalista coloca na primeira página que dormir com bebê aumenta risco de morte.

Todo bebê tem pequenos despertares entre seus ciclos de sono. Os que "dormem bem" é porque voltam a dormir sozinhos, os que não dormem é porque precisam de ajuda para entrar no próximo ciclo. A Luli quase nunca precisou ser embalada no meio da madrugada. Mesmo assim, quando ela completou mais ou menos três meses, não resistimos mais à tentação e passamos a colocá-la em nossa cama depois da mamada da madrugada. Simplesmente porque tínhamos vontade.

Foi aí que comecei a ganhar carinhos dela no meio da noite. Algumas vezes, ao virar de lado e se ajeitar na cama, ela coloca a mãozinha no meu rosto e abri um sorriso para, logo em seguida, fechar o olho e continuar a dormir tranquilamente. Que delícia! Bastou uma vez para querer todas as noites. E não há sensação melhor em saber que ela está dormindo feliz, se sentindo plenamente amada e protegida.

Quando ela completou quatro meses adotamos a cama compartilhada definitivamente. Li, li e li muito. Blogs, internet, artigos científicos e cheguei à conclusão de que a cama compartilhada, se feita de forma planejada, é segura e inclusive reduz risco de morte súbita do recém-nascido. Veja bem, morte por sufocamento com por exemplo, cobertores e protetores de berço, é diferente da morte súbita do recém-nascido, que é aquela em que o bebê simplesmente para de respirar. Por isso a cama compartilhada tem que ser planejada para evitar todos os riscos de morte por sufocamento.


Li muitos relatos em blogs de pais que optaram pela cama compartilhada e em média, a criança pede para dormir em seu próprio quarto com 2 anos. Já se foram quase seis meses com nossa Luli e, apesar da ansiedade de ver nossa menininha crescer, já me dói o coração de saudade apenas em pensar que eu não a terei mais como minha bebê. Bebês são bebês apenas uma vez e tudo passa tão rápido. Por que não aproveitar?


É incrível como a gente passa o dia todo ao lado dela e quando chega a noite, depois que ele dorme, a gente quer mais. Bate uma saudade. Assim, nossa cama compartilhada não foi só para ela. É para nós, mamãe e papai, também. Dormimos todos abraçadinhos e juntinhos e ainda por cima, de vez em quando, ganho um carinho dela no meio da noite.

Ah, e é assim que acordamos pela manhã também: com alguém apertando o nosso nariz.

Referências

Cama compartilhada tem que ser planejada para evitar todos os fatores de risco de sufocamento. Para saber mais, acesse: https://www.facebook.com/notes/solu%C3%A7%C3%B5es-para-noites-sem-choro/normas-gerais-de-seguran%C3%A7a-da-cama-compartilhada/301069299917486
Uvnas Moberg, 2003
Waynforth, 2007
Watson JB & Rayner R. Conditioned emotional reactions. Journal of Experimental Psychology (1920); 3: 1-14.
http://www.news.harvard.edu/gazette/1998/04.09/ChildrenNeedTou.html
http://pediatrics.aappublications.org/content/100/5/841.short
http://www.pnas.org/content/early/2012/01/24/1118003109.full.pdf

6 comentários:

  1. Amor, carinho, proteção, segurança.
    E você tem razão em mais uma coisa: passa muito rápido!!!

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  2. Super novidade para mim. Aprendendo sempre. Lidia

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  3. Olá... ainda não sou mãe, mas já dou uma pesquisada sobre estes assuntos! Esta coisa de cama compartilhada é realmente uma novidade para mim... e após ler seu texto me ficou uma pergunta: Com a criança no quarto e na cama dos pais até aprox. 2 anos, como fica a intimidade sexual do casal?

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    1. Olá Esther. Me desculpe a demora a responder. Tem varios pontos a ser levados em consideração. O primeiro é que a vida do casal muda e muito com a chegada do bebe, independentemente de onde o bebe dorme! Outra coisa, é que o casal precisa estar disposto sim a mudar o seu lugar de intimidade. Se os dois toparem e quiserem dará certo! Como a nossa pequena aqui dorme cedo, aproveitamos esse momento para curtir um filme, um vinho ou "namorar" um pouco em algum outro lugar... vale a criatividade!

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  4. Eu tenho a Isso de 1 ano e 9 meses e o Heitor de 2meses. E prático cama compartilhada desde que ela nasceu ( e ele idem) e até agora, não a vejo dependente, e sim esperta, inteligente , muito arteira ( mas obedece). O Heitor só acorda para mamar. Cólica quase não tiveram. Não sei como será no futuro, mas mesmo que me critiquem, o que vejo são crianças (que não dormem com sua país é não são slingados) tomando antidepressivos. Acho que o excesso de tudo estraga, mas a sociedade vê amor, cuidado e proximidade como excesso.

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  5. Olá! Achei o blog pesquisando sobre o assunto é adorei o texto!
    Fiquei intrigada: passaram 3 anos, como foi tudo até agora? Ela dorme no quarto? Como está a Lulu hj? Hehe

    Carol.

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