segunda-feira, 9 de junho de 2014

Pensando no futuro: Educação x Televisão

Dá para imaginar o assunto de marido e mulher em casa depois da chegada de um bebê? Sim: bebê. Passam o dia se questionando coisas tão simples. "Por que a gente esteriliza as chupetas, se os brinquedos e a mão dela, que não saem da boca, não?" As vezes chega ser até engraçado pois você comemora em alto tom e cantarolando coisas que jamais imaginaria comemorar na sua vida. "Oba, ela fez cocô!". E ainda termina com um "lá, lá, lá". Porém chega aquele momento em que o bebê está dormindo e vocês jantando tranquilos. E aí o assunto passa a ser mais sério. O Futuro.

Que tipo de escola vamos querer que ela frequente? Como fazer com que ela seja uma criança aberta, que compartilhe seus medos com a gente? Como ensinar sobre frustrações? Como torná-la uma criança, uma pessoa curiosa e com olhar atento ao mundo? Ou melhor, como vamos educá-la?

Em meio a opiniões, estratégias, ideias e troca de experiências, sempre caímos no mesmo assunto. Televisão. E aí nos deparamos com dois problemas. O primeiro é própria televisão, e o segundo é a posição da sociedade em relação a ela.

Que o primeiro é um problema, a principio vocês podem até achar que não, mas por exemplo, aqui nos EUA algumas escolas já colocam no contrato com os pais, como pré requisito para a matrícula, que eles proibirão seus filhos de assistir televisão. Agora, quando me refiro a sociedade como um problema é porque seus hábitos em relação à televisão são unânimes, ou melhor, quase unânimes.

Há alguns bons anos que eu já não assisto mais televisão. E quando digo isso, é sempre motivo de surpresa e algumas pessoas até se sentem criticadas (não deveriam). Imagina ainda quando o assunto é sobre crianças e televisão (não deveria também, mas nesse mundo da maternidade há muita rivalidade desnecessária entre as mães). E aí me preocupo que nossa filha tenha hábitos diferentes dos da sociedade. Claro que não pretendemos ser radicais e nem inflexíveis, mas se desestimularmos o uso da televisão em casa, será que ela se sentirá desconfortável em contar pros amigos? Até nós já fomos questionados de que seremos "super protetores".

Super proteção ou educação?

Já é muito bem descrito por pesquisadores que crianças sentadas na frente da televisão recebem diariamente um turbilhão de mensagens prontas que influenciam negativamente seu desempenho cognitivo, social e acadêmico.

Essas muitas informações prontas reduzem a capacidade de pensar, julgar, de analisar criticamente informações e comportamentos, reduz também criatividade e imaginação, pois a televisão deixa as crianças sonolentas, em um estado semi-hipnótico. Estudos feitos com eletroencefalograma mostraram que a atividade elétrica cerebral de uma criança assistindo televisão é a mesma de uma pessoa no escuro com olhos fechados, e se não há atividade cerebral, não há aprendizado.

Além disso, durante a noite, o sono, que deveria processar as informações (úteis) e experiencias vividas durante o dia, passa a processar o excesso de estímulo recebido da televisão, o que, segundo especialistas, influencia negativamente na qualidade do sono e consequentemente no desempenho escolar e na capacidade de se relacionar socialmente.

O problema é ainda maior quando falamos de bebês e crianças de até dois anos de idade. As muitas imagens, cores, luzes, sons e movimentos que a telinha transmite são estímulos intensos demais, maiores do que o cérebro deles é capaz de processar, causadores de hiperatividade, irritabilidade e dificuldade de concentração.

Além disso, a relação entre atividade motora e desenvolvimento cognitivo nos bebês é muito estreita. É explorando o mundo novo e cheio de novidades de forma ativa, por experiencias corporais, que eles desenvolvem sua capacidade mental. Só através da atividade motora. Bebês e crianças só aprendem brincando. E a televisão torna bebês e crianças passivos no momento mais crucial de suas vidas: no auge do seu desenvolvimento.

O incrível cérebro dos bebês, que possui mais conexões neurais do que os dos adultos, divide o mundo em duas partes: uma que reage à eles e outra que não, e o que não reage a eles não traz informação nenhuma, portanto não ensina. Um estudo realizado pela Universidade de Montreal no Canadá verificou que para cada hora que a criança passa na frente da televisão há redução de 6% no seu desempenho em matemática e de 7% na sua participação dentro da sala de aula.

Outro estudo realizado em Otago na Nova Zelandia, afirma que crianças que passam muito tempo na frente da televisão tendem a ter comportamentos agressivos ao longo da vida. Eles colocam ainda que para cada hora de televisão assistida, o risco de transtornos comportamentais na adolescência aumenta 44%.

E mais. O que ainda pode parecer um pouco subjetivo foi demostrado recentemente, por meio de ressonância magnética, que não é. O cérebro de quem assiste televisão é menos desenvolvido. Dessa vez a pesquisa foi feita na Universidade de Tohoku, no Japão e publicada em janeiro deste ano. Eles analisaram crianças que assistiam de zero a quatro horas de televisão por dia. Aquelas que passaram mais tempo na frente das telinhas apresentaram mais massa cinzenta no córtex pré-frontal do cérebro. Esse e outros trabalhos já demonstraram que cortex pré-frontal mais finos estão associados com o nível de QI e inteligência mais altos.

A Associação Americana de Pediatria (AAP) recomenda que bebês até dois anos não assistam nada de televisão. Recomenda também que, a partir de dois/três anos de idade, as crianças não assistam mais do que uma a duas horas de televisão por dia, mas o ideal é que os pais brinquem com eles em vez de deixá-los na frente da telinha. Se estiverem cansados ou ocupados, é muito melhor deixar o bebê sozinho com algum brinquedo, pois o brincar o ensina e estimula mais do que a televisão.  É brincando que se aprende ação e reação, tanto física quanto social.

Televisão no quarto?

A televisão por si só, como descrito em estudos, reduz o aprendizado da criança na escola, mas manter uma no quarto da criança pode ser ainda pior. Além de piores desempenhos escolares, possuir sua própria televisão está associado com menor interação familiar. A AAP recomenda claramente para "remover aparelhos de televisão dos quartos das crianças".

Já foi demostrado que crianças que assistem televisão aprendem menos na escola. Porém, um estudo feito na Universidade de Stanford e no centro de pesquisas Johns Hopkins verificou que crianças que possuem televisão no quarto aprendem menos ainda. Os autores encontratam em crianças que possuem televisão no quarto uma média de 7 a 9 pontos abaixo nas aptidões em matemática, artes e leitura, quando comparadas as crianças que assistem televisão, mas não tem uma para si. Os autores descrevem ainda que os danos educativos que ela causa superam os benefícios que os programas educativos poderiam trazer.

Manter uma televisão no quarto das crianças as mantém isoladas em seu próprio espaço, em seu mundo privado. Com cada membro da família em um cômodo, perde-se as conexões das atividades do lar, interação em família e consequentemente diminui-se as conexões afetivas entre todos. Cria-se isolamento entre pais e filhos.


Super proteção mesmo? 

Hoje eu tenho muito claro em minha mente, e com saudades, o porquê daqueles anos de praia durante minha infância terem sido tão preciosos. Porque não tínhamos televisão naquela casa. Era nos finais de semana que eu, minha irmã, minha mãe e meu pai, após um dia cheio, passávamos a noite juntos na rede, balançando e conversando por horas, curtindo o barulho dos grilos e o brilho dos vaga lumes, que naquela época ainda existiam. Era lá que eu e minha irmã brincávamos de cabaninha, fazíamos ovinhos de Páscoa com a terra do quintal e saímos perdidas pela rua para explorar terrenos abandonados. Quando faltava imaginação para as brincadeiras, saímos para um sorvete, para caminhar ou simplesmente sentávamos na varanda para ouvir o barulho do mar e comparar com o barulho das conchinhas, para ver as pessoas passarem ou apenas para curtir o céu estrelado. Sempre gostei de dormir tarde, e era lá que eu e meu pai ficávamos até altas horas da manhã questionando coisas simples da vida, filosofando e tentando imaginar o infinito do universo e a profundeza dos oceanos (sim, nós realmente fazíamos isso, não escrevi apenas para ficar bonito).

Super proteção não, e muito pelo contrário. Queremos libertá-la para o mundo da imaginação. Queremos libertá-la da alienação. Queremos libertá-la das telinhas fictícias para o mundo real.

Nossa princesinha ainda é muito pequenininha para que eu escreva agora a minha experiência como mãe, mas deixo aqui um relato muito interessante de uma mãe que resolveu abolir a televisão da sua casa:
http://antesqueelescrescam.com/2014/02/10/o-que-nos-ganhamos-quando-a-televisao-saiu-de-cena/
Essa é uma "homenagem" que o youtube fez para a Galinha Pintadinha.

Para ter o desenvolvimento pleno de todos os sentidos corporais, inclusive o intelectual, as crianças precisam se movimentar por horas, todos os dias. Não por vinte minutos e muito menos por apenas duas vezes na semana durante as aulas de judô ou ballet. Toda criança tem o direito de ter jogos de tabuleiro, de ter Legos, de brincar de faz-de-conta, correr na rua, brincar no pátio, subir em árvores, entrar em contato com a natureza. Toda criança tem o direito de ouvir uma história e criar suas próprias fantasias. Toda criança tem o direito de ser crinaça.

Leitura recomendada:
http://www.ime.usp.br/~vwsetzer/efeitos-negativos-meios.html

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