domingo, 29 de junho de 2014

Existe cesárea humanizada?

Muito se discute, principalmente em fóruns de blogs sobre maternidade, sobre a escolha de se fazer uma cesariana e as questões éticas que envolvem uma cesariana por opção. Uma delas é sobre a humanização no atendimento à mãe e no nascimento do bebê.

Cesaristas defendem que parto humanizado é aquele que respeita a mulher, independentemente da via do parto, natural ou por cesárea. Assim, para que mais cesáreas sejam vendidas àquelas mulheres que receiam o parto normal mas também buscam seu envolvimento no processo, essa cirurgia obstétrica tem sido vendida também como um processo humanizado. Por outro lado, defensores do parto normal colocam em questão não só o respeito à mulher e seu direito de escolha, mas também o respeito com o bebê.


O que é uma cesariana humanizada?


Muitas mulheres fogem do parto normal por medo da violência obstétrica, por medo de serem maltratadas e humilhadas. Infelizmente essa é a realidade do Brasil, principalmente em hospitais públicos. Porém, acabam se deparando com os mesmos maus tratos e até outros tipos de violência durante uma cesariana.


Porém, a escolha da cesariana como refúgio do parto normal só fortalece o sistema cesarista brasileiro e diminui cada vez mais a autonomia e o respeito pelo parto das mulheres. E para que mais cesáreas sejam vendidas, assim, hoje está entrando em moda o termo "cesárea humanizada".


Só um parênteses aqui: Sim, cesárea é moda. Parto normal, como muitos dizem por ai, não é. P
arto normal é um processo fisiológico natural que acontece e desde a existência dos mamíferos, sendo eles humanos ou não. Já a cirurgia cesariana começou a ser praticada com frequência a partir do século 18 e hoje é responsável por 90% dos nascimentos dos hospitais privados no Brasil. Portanto, o que está em moda hoje é fazer cesárea. 

Cesariana é recente, mas o termo cesárea humanizada é mais ainda. Durante a cesárea, cirurgia abdominal de grande porte, os cuidados dedicados à mãe podem ser mais especiais, delicados e com carinho. A mulher pode ser tratada com atenção pelo seu obstetra e por toda a equipe, receber palavras de conforto e segurança, ela pode não ter seus braços amarrados no momento que seu filho vem ao mundo e ela pode receber informações narradas do que está acontecendo por detrás do pano, por exemplo.

O quão humanizada é a cesariana para a mulher pode variar de caso a caso. O que não varia, são as medidas e procedimentos necessários, além do bisturi, para que uma cirurgia cesariana ocorra. Ar condicionado. Luz cirúrgica. Cânula de aspiração. Cobertores. Glicose. Um susto e a separação.


Nosso corpo humano, muito sábio, ao entrar em trabalho de parto, sinaliza para o bebê que ele irá nascer, tanto por informações químicas/hormonais, como por informações mecânicas, através das contrações. Bebês que nascem via cesárea agendada não recebem essas informações e levam um grande susto ao serem retirados abruptamente, de forma completamente inesperada, do seu porto mais seguro: o útero. Saem do quentinho e aconchegante direto para um ambiente gelado com muitas mãos manipuladoras. Que susto! Sim, muito susto, medo e choro. Sabe-se que bebês que nascem de cesárea choram muito mais e por muito mais tempo que os bebês que nascem  de parto normal.


Além disso, toda sala cirúrgica, para controle de proliferação bacteriana, obrigatoriamente precisa estar com o ar condicionado ligado. Assim, a temperatura do ambiente no qual o bebê nasce é tão gelada que é necessário enrola-los em cobertores para não evoluirem com hipotermina. Diferentemente, no parto normal, a temperatura ambiente é propícia e ajustada para que, apenas o contato com a pele e o corpo da mãe, sejam suficientes para aquecê-lo. Bebês que nascem de parto normal vão direto para o colo e braços da mãe (ainda vou escrever um post sobre a importância e benefícios do contato pele-a-pele ao nascer).

Além de nascerem abruptamente, são separados da mãe por um cobertor e depois, pela distância necessária para serem aspirados. Choro. Dá pra ter idéia do medo e desespero do bichinho ao ficar longe da mamãe? Mais choro. Já postei este vídeo aqui uma vez, mas acho que vale a pena revê-lo:


                                       


Se não bastasse ainda, os bebês são aspirados. Levam um susto, são separados, e recebem procedimentos dolorosos. Mais e mais choro. A aspiração é feita por uma cânula que é introduzida pelas narinas e chega até a traquéia do bebê, para retirar o líquido aminiótico do pulmão. Durante o parto normal, o liquido é expulso automaticamente pela compressão da caixa torácica durante a passagem pelo canal vaginal; em alguns casos apenas o liquido que restou na boca é retirado pelo bulbo para que o bebê não engasgue.


 


Depois disso, enquanto a mãe é costurada, o bebê continua distante fisicamente de seu corpo.  Ficam distantes pois os dois passaram por procedimentos arriscados e precisam ficar em observação (todo bebê nascido por uma cesariana tem o risco de entrar em desconforto respiratório). Assim, ele fica impossibilitado de mamar e recebe glicose para que pare de chorar e não sinta fome. Além de ser praticamente a última pessoa a ver, conhecer e segurar seu filho pela primeira ver, em média no Brasil.  a mãe amamenta pela primeira vez após 10 horas (10 horas!). Mas tudo bem né, ele recebeu glicose e não está com fome. #sóquenão. A recomendação da OMS é que o bebê mame em até uma hora (uma hora!), após nascer. Não é à toa que cesariana já foi correlacionada com insucesso da amamentação, tanto em curto quanto a longo prazo. Mães que tiveram bebês por parto normal amamentam por muito mais tempo.


Diante de todo esse processo e sofrimento do bebê ao nascer por uma cesárea, muita teoria sobre possíveis traumas futuros têm surgido. "Para mudar o mundo, primeiro é preciso mudar o modo de nascer", essa frase do filme "O renascimento do parto" tem gerado muito debate. Receber ocitocina sintética afeta a capacidade de se conectar com o bebê e amá-lo para toda a vida? Já li de tudo, que sim e que não. Eu sinceramente tenho grandes dúvidas a respeito e desacredito. Eu e minha irmã nascemos de cesariana e eu estou para ver uma mãe que ame tanto suas filhas quanto a minha. Procedimentos dolorosos e o sofrimento da separação causam traumas futuros? E aí eu pergunto: e quando o bebê fica doente, então ele terá problemas psicológicos futuros?

Minha filha, com 6 meses de idade pegou catapora e como o olho dela também foi atingido pela catapora, passamos um dia inteiro no hospital fazendo exames doloridíssimos para verificar uma possível infeção na retina. Chorou. Ficou assustadíssima. Naquela noite ela acordou chorando por diversas vezes. Se assustava e empurrava minha mão para longe quando eu tentava lhe dar a chupeta, por umas sete noites consecutivas. Depois passou, mas ficará com traumas permanentes por causa deste episódio? Também desacredito.


Mas de uma coisa eu tenho certeza, se eu pudesse eu teria tido catapora no lugar dela, por ela. Tomaria todas as vacinas no lugar dela. Teria todas as dores de barriga do mundo só para que ela não tivesse nenhuma. Infelizmente eu não posso livrá-la de todas as dores do mundo, mas eu não permitiria que nem um fio de cabelo dela fosse arancado à força sem necessidade.


Pegaria todo sofrimento dela pra mim e não consigo imaginar eu optar por fazer ela sofrer nem por um minuto, mesmo que o dano à ela fosse apenas temporário, para que eu fosse livrada de alguma dor ou sofrimento. Tenho certeza que esse é o sentimento de todas as mães, independentemente do mundo como seus filhos vieram ao mundo. Porém, hora de decidir o momento do parto, um dos motivos pelo qual muitas mães optam pela cesariana é pelo medo da dor intra-parto e pós-parto, mas para fazer suas escolhas, muitas esqueceram e/ou não foram orientadas sobre as condições de nascer do seu próprio filho.


Só mais um parênteses: lembrem-se que parto normal pode vir acompanhado de anestesia e que, episiotomia, aquele corte doloridíssimo e mutilador no períneo que se fazia antigamente em todas as mulheres rotineiramente para facilitar a saída do bebê não é mais praticado. Portanto, hoje dificilmente um pós-parto é mais dolorido que um pós-cirúrgico.


Hoje você permitiria que alguém entrasse no quarto do seu filho, em meio à madrugada e o acordasse abruptamente, dando-lhe um susto? Você permitiria que seu filho recebesse glicose para que você pudesse dormir aquela noite inteira tão sonhada? Você permitiria que aspirassem seu filho por causa de uma gripe mesmo sabendo que, por exemplo, pingar uma solução salinica na narina tivesse o mesmo efeito? Com certeza não.


Acho essa reflexão muito válida, principalmente porque estamos falando de um momento super delicado e único: o nascer. Os primeiros minutos e primeiras horas de vida. O primeiro contato com a mãe. O primeiro contato com seu próprio filho. Vale a pena permitir os procedimentos e desconfortos de uma cesariana no seu filho para que você não sinta as dores ou possa ir de unhas pintadas e maquiagem feita para sair bonita na foto da maternidade?


A cesárea pode até ser humanizada para a mãe se ela tiver um G.O fofinho que a chame de mãezinha e faça um corte em sua barriga de apenas 10 centímetros, mas só existe uma maneira para que uma cesárea também seja humanizada para o bebê: quando a cirurgia é realizada para salvar a vida da mãe e/ou do bebê.


Nascimento humanizado é aquele que mãe e bebê são respeitados.




Este texto não é uma crítica às mulheres que fizeram cesariana por opção. Espero com ele apenas ajudar a conscientizar futuras mães sobre suas escolhas pois esse tipo de informação, no nosso país cesarista, não vem dos consultórios dos obstetras. Já foi o dia que nós mulheres podíamos nos preocupar apenas com o enxoval e com o chá de bebê. Informe-se e humanize-se.

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