segunda-feira, 27 de abril de 2015

Silêncio: crianças brincando.


"Quando damos a uma criança uma caixa de madeira com uma abertura e uma bola, estamos oferecendo não apenas a habilidade de colocar a bola através do buraco, mas também o desafio suficiente para a criança desenvolver sua inteligência através da atenção sustentada."


Adaptado do livro Montessori from the start.


Recentemente tenho publicado algumas fotos no facebook da Luli brincando, ou melhor, realizando alguma atividade domiciliar que eu proponho, concentrada, e muitas mamães e pessoas vem me questionar como eu faço para que ela fique focada em alguma tarefa e ainda exclamam "nossa, meu filho(a) nunca ficou cinco minutos com o mesmo brinquedo. Por isso resolvi escrever aqui o que fazemos que tem dado certo em casa e o que aprendi sobre o brincar dos bebês, apenas observando minha filha.

Vale lembrar primeiro que eu tenho lido muito sobre o método educacional Montessoriano que enfatiza a importância da concentração no desenvolvimento pleno do ser humano. Engana-se quem acredita que este método foi desenvolvido apenas para crianças com necessidades especiais. Quanto mais estudo sobre Maria Montessori, mais impressionada fico ao perceber que tudo, absolutamente tudo o que ela descreve em suas observações e como as crianças constroem sua inteligência, eu vejo na minha filha. 

Maria Montessori diz que a criança é do silêncio. Às vezes, as crianças precisam gritar ou chorar para estravazar as tensões, porém, se ela estiver, por natureza, sentindo-se bem e equilibrada, ela ficará em silêncio, brincará em silêncio, trabalhará e apreciará o silêncio, concentrada. E é apenas por meio da atenção sustentada e repetição da tarefa que as sinapses neurais são construídas e o conhecimento plenamente absorvido. Todas as invenções da humanidade e poder de mudar o mundo vem especificamente da capacidade de concentração e atenção naquilo que se deseja atingir ou conquistar. Concentração é a base para o sucesso humano (Maria Montessori).

Baseando-nos nos métodos Montessorianos, nós adotamos aqui em casa alguns princípios que tem ajudado a Luisa a manter a calma e a concentração, que são:

Não interromper, simplicidade, observação, preparação do ambiente e estímulos adequados.

1) Não interrompa. Na minha opinião, o mais importante é não interferir na atividade que seu filho está desenvolvendo. Nas melhores das intenções, nós adultos costumamos bater palmas quando eles conseguem fazer algo específico, dizemos "êeee parabéns", damos beijinhos e muitas instruções de como é que se manipula um tal objeto. Entretanto, qualquer estímulo que chame a atenção da criança irá quebrar a concentração com aquilo que ela tem em mãos.

Isso vale para todas as idades. Imagine você tentando montar uma planilha de dados no Excel, com uma pessoa de cada lado conversando entre si, ou com alguém lhe dando instruções avançadas de acordo com seu nível de conhecimento do programa e em velocidade maior do que você é capaz de acompanhar. Imagine se alguém de repente liga uma música ou quer conversar com você sobre como foi o final de semana. Qual será o resultado e rendimento do seu trabalho? Quantas vezes sua atenção será desviada? Acontece que existe também uma diferença primordial entre adultos e bebês: quando um bebê é distraído de sua atenção, ele perde o interesse pelo que estava fazendo e raramente retoma a tarefa inicial.

Aqui em casa eu e a Luisa passeamos e brincamos muito juntas. Brincamos de pega-pega, esconde-esconde, cavalinho, de imitação, de faz de conta, onde é ela quem usa a imaginação e direciona o rumo da brincadeira, e muitas outras que inventamos e que envolva apenas nós duas e muitas gargalhadas, abraços, colos e beijinhos. Lemos livrinhos e cantamos juntas. Porém, quando ela pega um jogo de encaixar, de memória, de lógica, ou mesmo um objeto novo e simples como uma caixa ou boneca para apenas explorar o que é, eu  passo a ser apenas espectadora.


"Nunca ajude uma criança em uma tarefa que ela sente que pode realizar sozinha"
Maria Montessori

Nunca, jamais interfira na manipulação e no descobrimento de um objeto se seu filho não solicitar sua ajuda. Nunca, jamais chame atenção de um bebê para algo que está mais distante, se seu filho já está interessado no que já está fazendo. E principalmente, não tire algo de suas mãos para mostrar o que é e demonstrar aquele objeto. Quando eu preparo uma atividade com um novo nível de dificuldade para ela, se necessário, primeiro, eu até mostro qual é a proposta, de maneira muito didática e depois, interfiro apenas se necessário ou se ela solicitar ajuda.

2) Seja simples. Brinquedos muito coloridos e cheios de atividades, principalmente os eletrônicos cheios de luzes e músicas no qual o bebê fica apenas apertando botões e que não traz sentido nenhum à cabeça da criança, não costumam despertar atenção e interesse por muito tempo. A falta de interesse que os bebês têm por aqueles brinquedos tão promissores e legais que vemos nas vitrines são, principalmente, por dois motivos:

O primeiro é porque o bebê não busca o imaginário, ele busca o trabalho real e o sentido das coisas. Ele quer aprender e entender como funciona o mundo real. Quer entender como que uma tampa encaixa, fecha e abre uma caixa. Quer varrer o chão igual a mamãe faz. Quer entender, por exemplo, como os objetos rolam ou deslizam por uma rampa.

Segundo, porque esses brinquedos oferecem muitos estímulos ao mesmo tempo, mais do que a criança é capaz de acompanhar e prejudicam sua concentração. Por isso os brinquedos educativos e os feitos em casa são os que costumam ser melhores, pois neles a dificuldade da tarefa oferecida está isolada. 

Por exemplo, se o objetivo é ensinar um bebê de 9 meses a colocar a bolinha em um buraco, é necessário apenas uma bolinha e uma caixa de madeira com uma abertura redonda. Não é necessário um palhaço junto acendendo luzes, acenando e emitindo sons a cada segundo. O bebê desviará sua atenção e se perderá na proposta que foi oferecida.

Compare as fotos da esquerda de móbiles e mesinhas de atividades tradicionais, luminosos e sonoros, com as fotos da direita que oferecem uma atividade mais dirigida:


     

    

É muito importante não confundir simplicidade com falta de estímulo. Muitos pais tendem a acreditar que, quanto mais, melhor. Porém, a proposta é apenas fornecer uma atividade por vez, uma de encaixar, uma de girar, uma com luzes, uma de formas geométricas, uma de cores, etc, e não tudo ao mesmo tempo, alienando a criança. 

Hoje os pais enchem os bebês e crianças de luzes, sons, Galinha Pintadinha e vários estímulos simultâneos para depois, aos três ou quatro anos de idade, levar ao médico para perguntar como acalmá-los.

3) Observe as brincadeiras e atitudes de seu filho. Observe exatamente que tipo de tarefa ele está buscando e exatamente em que ele está interessado. 

Até aproximadamente 1 ano de idade o bebê busca principalmente exploração sensorial. Manipula objetos, vira, aperta, bate e testa. Entre 12 e 18 meses o bebê busca o trabalho. Busca função para aquele objeto. Ela passa a querer encaixar coisas, abrir caixas, guardar e transferir objetos de lugar. O objeto em si não desperta mais tanta atenção, e sim o que é possível fazer com ele, por isso é muito importante observar que tipo de tarefa a criança está buscando. Isso irá aumentar as chances de interesse pela atividade/brincadeira que você propuser e consequentemente o tempo que a criança passará com ela.

Por exemplo, recentemente a Luisa tem se interessado por cores. Sozinha começou a separar bolinhas da mesma cor da piscina de bolinhas da brinquedoteca de nosso condomínio. Sendo assim, comecei a oferecer atividades para ela separar objetos por cores. Começamos com o vermelho e azul, tudo misturado, para ela separar em duas caixas separadas.


 

Por várias vezes eu tentei dar blocos de empilhar para ela. De pano, de madeira, de papel, quadrados, de vários formas, mas ela nunca se interessou, mesmo que eu fizesse uma vez para demostrar. Porém, um dia, ela simplesmente abriu o armário dela da cozinha de snacks e começou a empilhar as latas de milho, creme de leite, e outras, da prateleira de cima. Observando isso, eu ofereci novamente cubos de empilhar e ela simplesmente adorou e rapidamente começou a empilhar tudo facilmente e com interesse. 



 

4) Prepare o ambiente. Não adianta esperar que seu filho se concentre se o ambiente não é propicio. A televisão deve estar desligada, os adultos devem falar baixo, oferecendo calma e tranquilidade aos bebês. O ambiente deve estar organizado, com poucos brinquedos e atividades. O ideal é evitar cestas com todos os brinquedos dentro e misturados e dispor os brinquedos e as atividades propostas em uma estante na sala e/ou no quarto, para dar senso de ordem e permitir que o bebê escolha com o que quer trabalhar. Rodiziar os brinquedos pode ser uma boa idéia também já que os bebês e crianças tendem a se desinteressar rapidamente por eles.



Aliás. quanto menos brinquedos melhor. O bebê é curioso para descobrir o mundo por natureza, e as coisas da própria casa são suficientes para ensiná-lo e estimulá-lo. Deixe-o descobrir, por exemplo, um interruptor. Maravilhado, ele passará bons momentos acendendo e apagando a luz, repetindo a tarefa. Deixe-o abrir uma torneira. Descascar sozinho uma banana, mesmo que ele leve 10 minutos. Serão 10 minutos de concentração, de treino de motricidade fina e aprendizado real. Junte várias bolinhas de papel e ele irá adorar ficar pisando no pedal da lata de lixo para abri-la e jogar os papéis, um a um.


Quando a Luisa tinha entre sete e oito meses, percebeu que, quando entrávamos em casa, eu apertava aquele botão simpático que fica da parede. Curiosa, começou a esticar o bracinho para tentar tocá-lo. Puxei uma cadeira, sentei e fiquei lá segurando ela em pé enquanto descobria como o botão funcionava. Não era trivial para ela, afinal, tem que apertar na pontinha de cima e depois na pontinha de baixo para que algo aconteça. Por várias vezes pedia para "brincar" com o interruptor. Quando começou a oficialmente engatinhar sozinha pela casa, com exatamente oito meses e três dias, ela passou a parar na porta e apontar o interruptor toda vez que queria entrar em um quarto escuro. Este é um exemplo da diferença entre oferecer um brinquedo com botões luminosos sem nenhum propósito real e permitir que a criança manipule o real.

E enquanto seu filho explora a casa (que deve estar segura o suficiente para deixá-lo solto), você observa no que ele está interessado e oferece os brinquedos e atividades mais adequados. Notamos aqui que, quanto mais atividades com sentido real que permitimos que ela participe da casa, menos interesse para os brinquedos tradicionais a Luisa tem.

 5) Atividade de acordo com a idade. Para mim, encontrar a atividade ideal para a Luisa é o mais difícil pois a atividade/brincadeira proposta para o bebê não pode ser fácil demais a ponto de fazê-lo perder o interesse rapidamente, nem difícil demais a ponto de frustrá-lo. Quando a atividade proposta é mais difícil que sua habilidade motora ou intelectual, a tendência do bebê é se frustrar e jogar tudo no chão. Ela tem que ser ao mesmo tempo interessante, desafiadora e propícia para a idade.

Veja no vídeo, a Luisa encaixando as formas geométricas e separando-as de acordo com as cores. Note que muitas vezes ela coloca em lugar errado, sinal de que a atividade não está facil demais para ela, porém, ela é capaz de raciocinar e corrigir sozinha. 



Os adultos levam uma vida cheia de compromissos, trabalho e stress e ao final do dia ou da semana, buscam o descanso e a distração, que os afastem de seus problemas e os desliguem temporariamente do mundo real. Já as crianças não tem necessidade de descanso do mundo real. Elas tem fome de conhecimento do mundo real, e o brincar organiza esse mundo e todo o conhecimento novo adquirido em suas mentes, por isso, o brincar é tão importante.

Brincar não é passar o tempo. Brincar desenvolve. Brincar ajuda a crescer.

Por fim, deixo aqui um depoimento muito bonito de uma mãe que descobriu ao acaso a importância do silêncio no brincar de seu filho. Vale  pena a leitura:
https://maederna.wordpress.com/2014/02/28/um-pouco-de-silencio/

2 comentários:

  1. Gostei muito desse seu post. Acho que pode ser mto útil para as mães de crs pequenas e elas só terão a ganhar.

    ResponderExcluir
  2. Muito bom mesmo. Lembro de algumas atividades que a Mamãe da Lulu desenvolvia, por exemplo, pesquisar e entender o mistério do patinho marionete.

    ResponderExcluir