terça-feira, 18 de fevereiro de 2014

Sobre bancos de cordão umbilical

Numa das muitas consultas pré-natal que tivemos, eu e meu marido, entusiasmados com a ideia, perguntamos ao meu médico daqui sobre bancos de cordão umbilical. A princípio estávamos entusiasmados pois acreditávamos que, caso a Luisa ou nós precisássemos, ele poderia ser imprescindível no futuro. Além disso, tínhamos a oportunidade de coletar aqui nos EUA, onde os valores dos bancos privados são muito mais acessíveis do que no Brasil. Para a nossa surpresa, o médico imediatamente nos respondeu: "Cuidado com a estratégia de marketing dos bancos privados, pois eles enfatizam um sentimento de culpa nos pais em não armazenar. Hoje quem não armazena o cordão umbilical não se sente um bom pai ou uma boa mãe, principalmente porque se trata da saúde dos próprios filhos".

Já tínhamos entrado previamente em contato com um banco privado daqui que nos explicou como funciona o processo. A equipe médica coleta o cordão umbilical e o banco vai buscar. Ao chegar no laboratório eles fazem uma análise e, se a amostra for viável, eles debitam automaticamente no cartão, se for inviável, eles descartam.

Meu médico não se posicionou nem contra e nem a favor do armazenamento, mas nos deu um bom material para ler para decidirmos por nós mesmos. Nunca tinha lido nada a respeito mas tinha em mente como algo tão promissor, por isso foi difícil a decisão, mas após pesquisarmos bastante, acabamos desistindo da ideia. 

Coloco aqui alguns pontos importantes sobre o texto que ele nos entregou e o que pesquisamos:

- De acordo com a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa), para a amostra do cordão ser viável, ela deve conter, no mínimo, 500 milhões de células-tronco e não estar contaminada. Assim, os bancos públicos descartam 60% das amostram que chegam, enquanto os privados descartam apenas 2%.

Não é sabido ainda por quanto tempo um cordão umbilical pode ser congelado sem perder suas propriedades. Além disso, a análise da amostra congelada também pode danificá-la, portanto só é possível saber se é viável se vier a ser utilizada.

- A chance do bebê precisar das células tronco do seu próprio cordão é muito baixa. Aproximadamente 1 a cada 2.700. (Chance de precisar não significa necessariamente que irá se beneficiar dela, pois sua amostra pode não ser adequada ou ser danificada durante a análise)

- De acordo com o Instituto Português do Sangue e Transplantação, no maior banco de cordão umbilical norte-americano, o Cord Blood Registry, de 1993 até ao final de 2012, apenas 134 amostram foram liberadas para serem usadas no próprio doador, 66 para utilização em irmãos e apenas uma para a mãe.

- No Brasil, até 2012, das 45. 600 amostras armazenadas em bancos privados, apenas oito foram liberadas, sendo cinco para serem utilizadas em parentes (após autorização da Anvisa) e apenas três para o próprio doador.

- Ao contrário do que os bancos anunciam, o sangue do cordão não pode ser utilizado para tratar leucemia do próprio doador. Além do risco de desenvolver leucemia ser baixo, caso a criança venha a desenvolver, o sangue de seu cordão terá a mesma mutação genética, portanto ele precisará do sangue do cordão de outra pessoa para o tratamento. Isso vale também para anemia grave e outras doenças genéticas tratadas com células tronco.

- A Associação Brasileira de Hematologia e Hemoterapia se posiciona contra a existência de bancos privados. De acordo com o presidente da associação, Carmino Souza. "Isso é apenas um negócio, que não tem impacto na saúde pública ou individual. As pessoas são ludibriadas num momento de muita alegria para acreditar que isso pode servir num caso de leucemia ou qualquer outro problema de saúde".

- Nesses últimos quinze anos, pouco se avançou nas pesquisas com células tronco de cordão umbilical e acredito que no futuro teremos muito mais opções de tratamento. Pesquisas atuais já estão encontrando novos caminhos para tratar doenças envolvendo células tronco originárias de outros tecidos, como por exemplo, do tecido adiposo, pele, fígado, pâncreas e polpa dentária.

- Como a chance de uma criança precisar de suas próprias células tronco são extremamente baixas (de 0,0005% a 0,04%) pois grande parte das doenças tratadas com células tronco tem origem genética, a maioria dos transplantes que utilizaram células tronco foram feitos com cordões de outro doador, a partir de bancos públicos. No mundo, mais de 12.800 paciente já foram tratados a partir de bancos públicos. 

- Para se obter sucesso com o transplante de células tronco, geralmente é necessária a utilização de mais de uma amostra compatível, ou seja mais de um cordão umbilical, pois a quantidade de células que se consegue armazenar de uma amostra é pequena, suficiente apenas para tratar uma pessoa de até 50 kilos. Portanto, caso necessite de terapia com células tronco, você poderá usar quantas amostras forem necessárias dos bancos públicos, porém apenas a sua única de bancos privados.

- Na França, Itália e Bélgica já é proibida a existência de bancos privados.


- Não possuir seu próprio cordão umbilical armazenado em banco privado não o exclui da utilização da sua própria amostra ou da amostra de outros doadores provenientes de bancos públicos. É o que acontece com os bancos de sangue. Você não precisa ter seu sangue congelado caso venha a precisar de transfusão sanguínea no futuro.


Com isso, eu e meu marido chegamos a conclusão que a relação custo/benefício em armazenar o sangue do nosso cordão em um banco privado seria muito desfavorável, então optamos pelo não. Infelizmente o serviço público daqui não faz coleta no hospital em que a Luisa nasceu, então também não conseguimos doar para o banco público.


Hoje tornou-se claro para nós a importância do crescimento dos bancos públicos e não dos privados, já que há chance maior de precisarmos, se precisarmos, de uma amostra de outro doador ou de mais de uma amostra de sangue de cordão umbilical.

No Brasil é a rede BrasilCord quem armazena os cordões umbilicais doados voluntariamente pela família do recém-nascido. Os custos da coleta e do armazenamento são totalmente cobertos pelo SUS. Para saber se a rede BrasilCord tem convênio com sua maternidade de interesse e mais informações, acesse:

www.inca.gov.br 
www.cancer.org.br 

3 comentários:

  1. Muito interessante. Podia disponibilizar o material que o médico disponibilizou para a senhora.

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    1. Oi, Mauro. Posso sim. Me passa o seu e-mail que envio para você. Dê uma olhada nesse link também. É uma cartilha sobre os bancos de cordão da ANVISA. Tirei muito dos dados dela:
      http://portal.anvisa.gov.br/wps/wcm/connect/74d254804fbcd718b490f59a71dcc661/banco+de+cord%C3%B5es.pdf?MOD=AJPERES

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  2. Extremamente útil para os jovens casais que ficam se sentindo "na obrigação" de preservar o cordão umbilical de seus filhos, pagando um valor alto por esse procedimento com pouca utilidade futura. Parabéns pelos esclarecimentos. Lidia

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